sábado, 17 de outubro de 2009

Aprendendo com acidentes


Aconteceu neste último mês de outubro de 2009 o quarto “acidente” nestes mais de 11 anos de história da Casa de Pedra. Vamos considerar como “acidentes” somente aqueles onde, durante uma escalada com corda, o escalador caiu até atingir o chão. Incidentes como: luxações, ombros fora do lugar, escoriações, pés e tornozelos torcidos ou quebrados, principalmente na prática de boulder, já tivemos muitos outros. Ao contrario do que muitos podem pensar, nunca escondemos ou acobertamos fatos como esse, mas sim tentamos aprimorar procedimentos e regras de segurança no ginásio, aprendendo a cada novo acontecimento. E é justamente para aprender e compartilhar com toda a comunidade escaladora que escrevo aqui os fatos. Obviamente não vou citar os nomes dos envolvidos, portanto trataremos apenas de “escalador” e “segurador”. Histórico dos praticantes: Tanto o “escalador” como o “segurador” eram “clientes de fim de semana” porém os dois já haviam escalado por diversas vezes anteriormente. No dia do acidente ambos permaneceram escalando por mais de 2 horas e o acidente aconteceu praticamente no horário de fechamento do Ginásio. O “escalador” acidentado havia comentado que a via seria a saideira, antes de irem embora. O acidente: Apos completar a via em top-rope, o escalador avisou que havia terminado a escalada e “sentou” na corda normalmente. Com o grigri travado e todo o equipamento passado corretamente, o segurador começou a soltar a corda lentamente. Após descer pouco mais de 2 ou 3 metros, o escalador começou a ganhar velocidade e terminou batendo no chão praticamente sem nenhuma resistência do freio de segurança. O escalador caiu no colchão de segurança praticamente sentado e rolou pelo chão. O socorro aconteceu prontamente pela equipe do Ginásio e voluntários. Ninguém mexeu no escalador e este foi levado ao hospital, pela equipe de paramédicos do corpo de bombeiros, onde passou por diversos raios-X de coluna e tomografia. Uma leve suspeita de trinca de vértebra o deixou em observação, e felizmente, o mesmo saiu andando após alta no dia seguinte. Sem dúvida alguma um susto enorme para todos, mas sem maiores conseqüências. Conversando com os envolvidos: Na quarta feira seguinte ao acidente, eu recebi os dois envolvidos para uma boa conversa e chegamos a seguinte conclusão. Após começar a descida normalmente pelos primeiros metros, uma sessão mais lisa da corda fez com que a velocidade de descida aumentasse abruptamente. Neste ponto o “segurador” se assustou e ao invés de soltar a mão da trava do gri-gri, acabou mantendo-a liberada, inclusive queimando a mão que estava na corda. Meu veredicto: Com disse no início do texto, este foi o quarto acidente e todos eles tiveram uma característica em comum. Ao tomar um “susto”, por qualquer que seja o motivo, ao invés de soltar a trava do Gri-gri, os seguradores acabaram “congelando” com a mão na trava, mantendo-a aberta. Na minha opnião o Gri-gri tem inúmeras vantagens, principalmente num ambiente de alto fluxo como um Ginásio, porém essa “falsa” segurança que a trava automática nos proporciona, acabou criando uma cultura de “não importância” à mão que mantemos na corda. O escalador de Ginásio ou esportivo hoje, e não digo somente aos iniciantes não, pois já peguei muito macaco velho sem a mão na corda, acabou deitando em cima da “trava automática” e a boa e velha posição de segurança, com a mão da corda firmemente travada abaixo da linha do quadril, deixou de ser o padrão. Voltando um pouco ao acidente ocorrido, lembre-se que a corda gasta e “engrossa” de forma diferente ao longo dos metros. Principalmente num top rope, onde o desgaste dos primeiros metros é muito maior que dos últimos. Desta forma a descida do escalador nunca será linear. Há áreas de maior e menor atrito, portanto a importância da mão na corda é fundamental. Conclusão: Por parte da equipe da Casa de Pedra - Faremos uma série de clínicas com nossos instrutores, a fim de reforçar aos clientes e usuários do Ginásio a importância da posição correta da mão da corda, e a importância de descer lentamente o escalador sempre ao fim da via. Reforçaremos a vigilância dos clientes e seremos mais “chatos” na fiscalização. Por parte dos escaladores - Qualquer que seja o equipamento, com ou sem trava automática, lembre-se que a “mão da corda” é quem efetivamente trava o escalador. Mantenha a posição correta de segurança, mantenha a “mão da corda” sempre firme. Ao descer seu parceiro, abra completamente a trava do gri-gri e faça o controle da descida somente com a “mão da corda”. Nunca utilize a trava do gri-gri como uma “embreagem”. Agradeço imensamente à toda a equipe da Casa de Pedra, mas principalmente a Mieko Makino, que com uma preocupação digna de mãe, acompanhou a todo o momento os envolvidos no acidente.
Boa escalada a todos, Alê Silva.

5 comentários:

  1. ótima postura em esclarecer o acidente antes de se tornar uma fofoca. Reforço a necessidade de maior "pentelhaçao" por parte dos instrutores, pq esse é o papel deles: pensar na segurança!

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  2. Quando será que esta postura, de reconhecer um problema e mostrar que vai resolvê-lo, vai substituir o velho pano rápido, na maioria das empresas? Parabéns Casa de Pedra pela postura pró-ativa, acidentes acontecem, o ruim é quando eles se repetem por falta de ação.

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  3. Muito legal a resposta e a maneira de encarar o acontecido. Parabéns Alê e a Casa de Pedra.

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  4. Não sei a viabilidade para os ginásios, mas se não me engano, é o ID' também da Petzl que tem um sistema "anti susto" que também trava se a pessoa puxar a alavanca até o seu final. Mas é muito maior, muito mais pesado e também, muito mais caro!

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  5. O acidente descrito é bastante conhecido. O pessoal de um ginásio suiço desenvolveu uma técnica para evitá-lo e uma didática para entender melhor as razões e evitar erros parecidos. Detalhes em:
    http://www.celight.org.br/artigos/tecnicas_de_seguranca.pdf

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